...31... filosofando... part thirty-one...

...e...  através  do  espelho...
da  academia  nino-giovanetti...
foi  que  conheci  a  lenira...

dançando  logo  atrás  de  mim...
posicionada  de  modo  que...
o  ângulo  oblíquo  permitia...
que  nós  nos  víssemos...  mutualmente...

ela  dentro  de  sua  malha  cor-de-vinho...
e  eu...  usando  provavelmente...
minha  calça  cor-de-rosa-choque...
ou  então...  a  preta...
( que  eram  minhas  duas  únicas  calças...)...

no  final  da  aula...
ela  me  pede  uma  carona...
carona  esta  que  durou  cerca  de  uns  sete  anos...
que  foi  a  duração  do  nosso  casamento...

...  sete  ou  oito  anos...
não  sei  dizer  exatamente...
já  que  o  último  ano...
é  como  se  morássemos  sob  o  mesmo  teto...
porém  completamente  separados...

isso  já  no  ano  de  1986...

é...  então...  segundo  os  cálculos  da  aritmética  elementar...
podemos  dizer  que  o  casamento  tenha  durado  uns  oito  anos...
já  que :
o  espelho  da  academia  do  nino...
nos  apresentou  um  ao  outro...
no  ano  de  1978 :

... 78  mais  8...  é  igual  a  1986...

é  isso  aí...

...1986...

eu...  deitado  de  bruços  no  chão-da-sala...
tenho  um  ataque-de-chôro...
chorando  alto...
não  conseguindo  mais  reter...
o  chôro  contido  no  meu  peito...

um  chôro  que  vinha  se  acumulando...
já  há  alguns  meses...

tauê  e  peter...
      ( nessa  época  com  7  e  5  anos-de-idade...  respectivamente...)...
olham  a  cena...  meio  apavorados...

acredito  que  a  criança  com  essa  idade  já  percebe  exatamente...
o  que  está  "rolando"...

sei...  por  experiencia  própria...
como  é  "chocante"  para  a  criança...
assistir  à  briga  dos  pais...

no  referencial  da  criança...
tudo  o  que  ela  deseja...
é  poder  ver  os  pais  numa  "boa"...
compartilhando  uma  harmonia  eterna...

felizes  são  as  crianças  que  tiveram  a  sorte...
de  viver  numa  casa  onde  os  pais  tenham  sido...  realmente...
carinhosos  um  com  o  outro...
e...  obviamente...  com  as  crianças  também...

... vivendo  num  lar  onde  o  casal  tivesse  uma  sintonia  de  mútuo  amor...
e  de  mútuo  respeito...
com  muita  conversa  "rolando"  entre  todos  da  família...

será  que  existe  uma  família  assim...?

acho  que  sim...
deve  existir...  sim...
nunca  vi...  nenhuma...
mas...  acredito  que  muitas  famílias  devem  ser  assim...
verdadeiramente  harmoniosas...

---   ---   ---

mas...  em  1986...  quando  a  última  gota  fez  com  que...
não  desse  mais  para  segurar  o  chôro...
tal  cena...  era  apenas  uma  consequência  natural...
de  um  casamento  que  já  havia  nascido  com  a  semente  de  que...
um  dia...  a  bomba  (relógio)  iria  "explodir"...

e  essa  "explosão"  se  deu  em  1986...
talvez  uma  "explosão"  final...
um  "acorde"  final...
de  uma  sinfonia  com  diversas  passagens...
...  fora  do  tom...

...  um  tom  menor...
dentro  de  uma  escala  diminuída...
...  o  tom  menor  da  tristeza...
que  permeou  grande  parte  de  um  casamento...
que  não  trouxe  apenas  momentos  de  tristeza...
mas...  felizmente...  alguns  momentos  de  alegria  também...
ou...  se  for  possível  abrir  as  portas  para  um  otimismo  ainda  maior...
podemos  dizer  que  houve  momentos  de  grandes  alegrias...
como  por  exemplo...
o  nascimento  do  taue  e  do  peter...
e  toda  a  alegria  que  eles  trouxeram...  e  trazem  até  hoje...
para  o  espírito  de  quem  os  conhece...

portanto...
tudo  isso  que  estou  escrevendo  agora...
está  longe  de  ser  um  "muro-de-lamentações"...

não...    ...não  obrigado...

a  vida  é  curta...
não  vale-a-pena  investir  muito...
no  mundo  sombrio  das  lamentações...

dentro  desse  retrato-instantâneo  que  tentei  descrever...
sobre  meu  casamento  com  a  lenira...
      ( nessas  primeiras  linhas  iniciais...)
tudo  não  passa  de  uma  tentativa  de  construir...
um  resumo-resumidíssimo  do  que  foi  esse  objeto-não-identificado...
ou  seja :..  o  "acontecimento"   luis-lenira...

um  "acontecimento"  que  (confesso)...
deixou  algumas  marcas...
algumas  cicatrizes  em  mim...

e  como  a  espinha-dorsal  desses  escritos...
é  uma  tentativa  de  uma  auto-biografia...
haveria  uma  certa  incoerência...
querer  "fugir"  de  tais  "cicatrizes"...
  querer  fingir  que  elas  não  existiram...
    querer  colocar  uma  "pedra-na-ferida"...
      querer   "tapar-o-sol-com-a-peneira"...

enfim...  tentar  fugir  dessa  narrativa...

---   ---   ---

aquele  chôro  no  chão  da  sala...
em  1986...
era  algo  ligado  a  uma  dimensão  puramente  emocional...

mas...  durante  todo  o  ano  de  1986...
o  que  "rolava"  em  minha  mente...
era  muito  mais  do  que  sentimentos  emocionais...

existia  toda  uma  "maquinação"...
quase  que  "matemática"  na  busca  de  uma  resposta  à  pergunta:
" onde  foi  que  eu  errei..?.."

uma  pergunta  que...
por  mais  que  eu  me  esforçasse  em  obter  uma  resposta...
( ou  uma  solução  para  tal  equação...)...
eu  jamais  teria  sucesso...
  nessa  pesquisa...  digamos...  "científica"...
    simplesmente  porque...
a  equação  era  daquele  tipo  que...  simplesmente...
  não  admitia  solução...
    ( pelo  menos  no  campo  real...)...

a  pergunta  já  continha  dentro  se  si...  um  erro  lógico...
era  uma  pergunta  baseada  em  falsas  premissas...
...  uma  pergunta  que  já  havia  nascido...
com  uma  falha  intrínseca...

isso  porque...
para  responder  à  pergunta  "onde  foi  que  eu  errei"...
seria  preciso  que...
      ( para  que  a  pergunta  fizesse  sentido...)...
houvesse  um  "erro"  da  minha  parte...
  para  só  então...  a  partir  daí...
    sairmos  a  procura  do  lugar  onde  o  tal  "erro"  se  encontra...

mas...
  se  não  houve  "erro"  nenhum...
    então...
       a  pergunta  perde  todo  o  sentido...

---   ---   ---

mas...  durante  o  ano  de  1986...
o  meu  estado-emocional  não  tinha  um  equilíbrio  suficiente...
para  admitir  que  a  questão  não  era  esta :  " onde  foi  que  eu  errei "...
mas  sim...  uma  questão  de  tentar  entender
a  história-de-vida  da  lenira...
  a  minha  história-de-vida...
    a  visão-de-mundo  dela...
      e  a  minha  visão-de-mundo...

e...  a  partir  desses  elementos...
compreender...  de  uma  forma  natural...
    ( e  sem  ressentimentos...)...
o  "porque"  de  não  ter  dado  certo...
o  relacionamento...

---   ---   ---

quando...  em  1978...
eu  visualizava  a  lenira...
através  do  espelho  da  academia  do  nino...
e  a  via...  olhando  também  para  mim...

para  mim...  ela  era  apenas  uma  imagem...
uma  imagem  expressiva...
mas  igual  a  muitas  outras  que  por  lá  passaram...
dentro  daquele  mesmo  ângulo  da  geometria  tri-dimensional...
no  espaço-especial...
da  academia  de  ballet...

nesse  dia...  ( do  espelho )...
ela...  para  mim...  era  apenas  uma  imagem...
eu...  não  sabia  nada  sobre  a  história-de-sua-vida...
e...  reciprocamente...  ela  não  sabia  nada...
sobre  a  história-da-minha-vida...

éramos  dois  desconhecidos...
ou  melhor...  dois  quase-desconhecidos...
pois...  pelo  menos...
a  imagem  através  do  espelho  já  havia  dado  seus  primeiros  sinais...
( pelo  menos  de  "relance"...)...

mas...  na  medida  em  que  íamos  nos  conhecendo  de  verdade...
saindo  juntos...  etc...
as  possibilidades  de  um  mútuo-revelar...
passavam  a  ser...  sempre  maiores...

dependendo  do  grau-de-maturidade  do  casal...
os  dois  aproveitam  o  tempo  em  que  estão  juntos...
para  conversar...
para  trocar-idéias...
para  conhecer  a  visão-de-mundo...  de  cada  um...

---   ---   ---

analisando  agora...  de  longe...
esse  aspecto  de  nossa  interação...
vejo  nitidamente...
que  quase  não  existia  esse  tipo  de  conversa  entre  nós...

agíamos  como  sendo  uma  espécie  de  "casal-empresa"...
onde  cada  um  tem  uma  "função-específica"...
sem  sobrar  muito  tempo...
para  uma  boa  conversa...
nos  intervalos  entre  tais  atividades  específicas...

mas...  esse  papo  de  "casal-empresa"...
embora  seja  uma  metáfora  interessante...
me  parece  que  não  explica  as  verdadeiras  causas...
de  um  relacionamento  que  não  deu  "certo"...

as  causas  são  inúmeras...
tenho  já...  um  "leque"  de  hipóteses...
mas...  ao  mesmo  tempo  me  pergunto...
se  vale  a  pena  "mergulhar"  nesse  tipo  de  tema...

talvez...  a  melhor  opção  seja...
deixar  o  tema  em  aberto...
deixá-lo  provisoriamente  em  "hold"...

e  partirmos  para  uma  narrativa...
menos  especulativa...
mais  concreta...
que  descreva  os  fatos...
simplesmente  como  eles  aconteceram...

deixando  o  momento  da  interpretação-de-tais-fatos...
para  um  momento  posterior...

pois...  desta  forma...
teríamos  algum  material  concreto  (os  fatos)...  para  trabalhar...
e...  a  partir  daí...  sim...
poderíamos  tecer...
      ...desenvolver...
teorias...
sobre  a  personalidade  dos  (queridos)  personagens  envolvidos...
na  trama...  ( não  tão  "diabólica"  assim...)...

---   ---   ---

me  despeço...  (temporariamente)...
desejando  tudo-de-bom...  para  você...

um  grande  abraço...
                                ...luis antonio...