Há algum tempinho atrás...
estávamos falando sobre o novo emprego...
que ( acidentalmente ) aconteceu... no colégio anglo-americano...
quando... ao ir colocar um anúncio de professor-particular... no quadro-de-avisos...
o diretor me chama para dar aulas... nas turmas-de-dependência...
não imaginava eu... que...
enormes mudanças na minha vida...
iriam ocorrer nesse primeiro-semestre de 1972...
um semestre que... teoricamente deveria ser...
uma época dedicada ao descanso...
um descanso necessário... que eu havia imposto a mim mesmo...
ao fazer a opção "PUC-segundo-semestre"...
no ato da inscrição para o vestibular...
um semestre... teoricamente programado para o descanso...
mas que foi lentamente se transformando...
num período de intensas atividades e mudanças...
... graças aos repentinos acontecimentos inesperados...
que surgiram durante essa época...
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no decorrer do primeiro mês de aulas...
enquanto realizava meu trabalhinho...
ensinando nas turmas-de-dependência...
... o diretor sentiu que poderia contar comigo...
para atuar como professor nas turmas regulares...
e... nessa época... acontece do professor-titular-de-matemática...
responsável pela maioria das turmas do segundo-grau...
... vir a falecer...
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no dia seguinte... o diretor me chama...
e me comunica que vai querer que eu dê aulas na turmas-regulares...
que estão necessitando urgentemente...
de um professor-de-matemática...
fala para eu comprar um jaleco...
e pede para o despachante do colégio...
providenciar junto à secretaria de educação...
uma carteirinha que dá uma autorização provisória para lecionar...
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de repente... me vejo dentro de um enorme jaleco...
imerso no seio de uma sala-de-aula com 50 alunos...
tudo bem...
começo a explicar as fórmulas-da-equação-da-reta...
mas... acontece que...
pouquíssimos alunos prestam atenção...
a "zona" é geral...
... uma bagunça generalizada...
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percebo que... além de professor...
teria que ser uma espécie de ator...
... fazer algo que atraísse a atenção da turma...
teria que usar a criatividade...
... para não deixar o caos tomar conta...
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a sorte é que...
para alívio geral...
a campainha tocava... anunciando o final da aula...
os alunos se mandavam para o recreio...
e eu... continuava tentando terminar...
... as explicações inacabadas...
para a meia-dúzia de três ou quatro alunos...
interessados em continuar participando das explicações...
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alguns brincavam comigo...
dizendo que eu estava parecendo um açougueiro...
com aquele jaleco enorme...
cujo comprimento atingia os joelhos...
( a maioria dos professores usava um jaleco mais discreto...
... daqueles... cujo comprimento atingia apenas a cintura...)
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a primeira semana foi meio...
... bastante louca...
as aulas bem tumultuadas...
mas com o tempo... a coisa foi se acalmando...
fui desenvolvendo técnicas melhores...
técnicas que faziam a matéria ser compreendida...
de uma maneira mais fácil...
os alunos ao se acostumarem com meu jeito-de-ser...
... com meu jeito-de-dar-aula...
muitos deles... acabavam se interessando...
... o ambiente ia se tornando bem mais tranquilo...
as aulas... bem mais estáveis...
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o grande paradoxo... era a questão da idade....
às vezes... o óbvio nos escapa...
e... essa questão da idade não me chamava a atenção...
... até o dia em que um dos alunos...
chegou para mim... e falou:
" mestre... eu tenho 19 anos...
...quantos anos você tem...?..."
( eu )... " dezoito "...
( ele )... " verdade...?... não acredito...
me mostra... me mostra um documento... ( ou coisa parecida )..."
... tirei do bolso-traseiro-da-calça... minha carteira-de-identidade...
... e mostrei a ele que eu tinha...
realmente... 18 anos...
a conclusão desse breve diálogo....
é a de que ficamos... eu... e ele...
meio perplexos com tudo isso...
( o fato de ele ter 19 anos...
era um fato... completamente normal...)
( no segundo-grau é bem natural...
que um aluno tenha 19 anos...)
o que era um pouco anormal...
era o fato de um cara de 18 anos...
dar aula para uma turma de 50 alunos do segundo-grau...
mas... tudo bem...
a coisa estava funcionando bem...
o diretor estava satisfeito...
os alunos estavam satisfeitos...
eu estava satisfeito...
um semestre intenso...
aquele primeiro semestre de 1972...
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eu... solteiro... ainda sem namorada...
com 18 anos... me vejo... de repente...
no meio da rapaziada do anglo...
( detalhe: do anglo... não do andrews...)...
(... um detalhe que faz uma diferença...
... mas no fundo... no fundo...
... uma diferença que não é tão "diferente" assim...)
( para maiores informações...
basta dar uma re-lida num desses textos anteriores...)
e... voltando ao "menu-principal"...
estávamos dizendo que...
eu... solteiro... ainda sem namorada...
com 18 anos... me vejo.... de repente...
no meio da rapaziada do anglo...
... com aquele jaleco enorme...
com o cabelo nos ombros...
tal qual a famosa capa do "long-play" do caetano...
na época em que morou em londres...
a garotada... ou melhor...
a rapaziada do anglo... gostava de mim...
"curtia" o professor jovem de cabelos-híppie...
que gostava de matemática...
... " professor gente-boa...
não reprime... não dá sermão...
dá suas aulinhas numa boa...
tentando explicar da melhor forma possível "...
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já no final da manhã...
eu... dirigindo-me para o carrinho-estilo-antigo... MG-1951...
que acabara de comprar...
graças a meu novo salário-de-professor...
... vejo que uma das minhas alunas... a verinha...
quer falar comigo...
( ela )... " professor... vai ter hoje à noite...
um encontro lá no centro-da-cidade...
um encontro sobre a "eubiose"...
que é um centro de filosofia...
você gostaria de ir...?...
vai sim... você vai gostar..."
( eu )... " tudo bem... qual é o endereço...?..."
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ao chegar lá... à noite...
assistimos à palestra:
eu... verinha... o gúti...
... e a fabiana...
terminada a palestra...
levo a verinha e o gúti para a casa deles... em vila isabel...
e a fabiana resolve ir comigo em casa...
para escutarmos discos...
... do pink floyd... ou do steppenwolf...
para apreciarmos o solo-de-piano da faixa...
... " for ladies only "....
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a fabiana... nessa época... tinha cabelos cacheados...
e eram cachos incríveis...
daqueles que nasciam lá...
num par simétrico de super-ganchos...
paralelos ao plano-sagital da cabeça...
( ou seja... paralelos àquela linha-imaginária...
que vai do centro-da-testa à nuca... )
os cachos nasciam lá.... perto da testa...
brotando dos dois super-grampos...
e... caiam suavemente pelas laterais do rosto e da cabeça...
até acariciarem seu maxilar inferior...
era um "visual" único...
aqueles cachos eram...
a "marca-registrada" da fabiana...
e... reciprocamente...
a fabiana não seria a fabiana...
se não fossem aqueles cachos...
geometricamente tubulares e perfeitos...
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a fabiana era muito mais do que seus cabelos cacheados...
a fabiana adorava conversar...
não aquela conversa onde um só fala...
mas aquela conversa onde ela quer saber quem eu sou...
... minhas experiencias... meus sentimentos...
e... ao relatar tais sentimentos...
ela ia ligando à observações de episódios...
que também aconteciam em sua vida...
e... nessa viagem recíproca...
íamos saboreando a felicidade de compartilhar experiencias em comum...
através da fala...
... do carinho...
... da interação-sem-barreiras...
e... a comunicação-verbal...
o mútuo contar-estórias...
era um dos grandes alicerces...
dessa nossa amizade...
desse nosso romance...
onde não só as almas se inter-encaixavam...
como também... os corpos...
nosso histórico encontro nunca mais terminou...
"eu-e-a-fabiana"... foi... é... e... sempre será...
um eterno... casamento-espiritual...
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nessa época... muitas coisas aconteceram...
meio por-acaso... meio acidentalmente:
... meu professor-de-piano...
... o emprego no anglo...
... o encontro com a fabiana...
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e... o testemunho ocular de todos esses acontecimentos...
era o MG-1951... original...
que pertencia ao mecânico silva...
da oficina da rua real-grandeza... em botafogo...
seu silva... que não precisava mais do carro...
para ir pescar... aos domingos... no recreio-dos-bandeirantes...
... resolveu anunciá-lo pelo valor que hoje...
seria equivalente a 2 mil reais...
tal negociação só foi possível...
graças à mudança no meu salário do anglo...
de 300 para 1600...
decorrente do acréscimo repentino da carga-horária...
causado... por sua vez... pela adição das turmas-regulares...
às já existentes turmas-de-dependência...
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o MG verde...
mantido durante anos pelo seu silva...
assistia com seu olhar amigo...
... quase humano...
à realidade do dia-a-dia...
... dando carona para mim...
e para a fabiana...
... viajando conosco...
por cada palmo do asfalto das ruas do rio-de-janeiro...
... botafogo... vila isabel... jacarepaguá...
e... até petrópolis conseguimos chegar...
... graças à luz do pisca-pisca...
que iluminava o caminho... de uma forma sutil...
no momento em que o farol principal...
... resolveu descansar...
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anos depois...
décadas depois...
depois de um longo intervalo...
encontro com a fabiana...
na porta do metrô do largo-da-carioca...
me leva para conhecer seu marido...
em seu apartamento no grajaú...
depois de longas conversas... e... longas memórias...
a fabiana fala:
" bebê... ( meu apelido naquela época... era bebê...)
tenho uma coisa para te mostrar "...
abre a bolsa...
pega a carteira...
de dentro da carteira...
puxa uma foto colorida...
... era a foto do MG...
... só o MG...
sem ninguém por perto...
... o MG... com seus dois faróis...
olhando com doçura...
para a câmera...
um MG com alma...
um MG que viu...
o ano de 1972 passar...
até já...
um grande abraço...
...luis antonio...